sexta-feira, 9 de abril de 2010

Os charlatães

Numa hospedaria de província, em dia de festa e multidão, apresenta-se um cavalheiro de boa aparência e correctamente vestido, falando com desembaraço, e impondo-se com ar de autoridade.
Senta-se á mesa perante a numerosa assistência, que o contempla com acatamento e manda vir um bom jantar. Mal prova, porém, a primeira iguaria, que lhe foi servida, aí começa, o nosso homem a agitar-se em movimentos desesperados, agarrando a cara com ambas as mãos, e soltando gritos espantosos.
“Que é? Que foi? Que aconteceu?”- bradam os circunstantes, rodeando o energumeno com inquieta solicitude.
-“Um dente, um dente! Oh! Que suplicio! Há já 15 anos que isto dura, e eu sem ter coragem para arrancar este maldito!”.
É grande a consternação em todos os semblantes, quando entra na sala um outro indivíduo, que se senta distraidamente a um canto, e pede um refresco. Mas logo, ouvindo os gritos do paciente, dirige-se a ele, e pergunta-lhe delicadamente – “ cavalheiro dá-me licença? Diz-me qual a sede do seu padecimento?”
- é um dente, um dente que me atormenta! Nada há que possa aliviar-me. Todos os remédios têm sido baldados…
-“Muito bem, observa o recém-chegado sorrindo um ar finório, -pois aqui está quem se compromete a corá-lo em menos de um minuto!”
- Sacando então do bolso um pequeno embrulho, tira dele uma pitada de pó esbranquiçado que dissolve em meio copo de água.
- “Agora, meu caro senhor, tenha a bondade de humedecer uma ponta de seu lenço neste liquido, e aplicar sobre o dente infectado, exercendo um ligeira pressão.”
O doente, depois de fazer uso da receita levanta-se radiante e exclama impando alegria:
- “Mas é extraordinário! É prodigioso! Já não sinto a dor, desapareceu como por encanto!
- “Isso sabia eu, mas o que é mais extraordinário é que esse dente cariado, como está, até á raiz, nunca mais tornará a incomodá-lo!
- “Senhor! Exclama então o homem do dente cariado, venda-me esse remédio… Peça o que quiser! Uma libra, duas libras, três … não faço questão de preço”.
Aqui a fisionomia do benfeitor tomou um aspecto sério e digno.
- “ Se eu quisesse explorar o reconhecimento de todas as pessoas que tenho curado, seria a estas horas arque-milionário. Mas não! Eu obedeço a impulsos mais nobres. O senhor vai dar-me por este pacotinho o mesmo ínfimo preço porque eu dentro em pouco me proponho vende-lo desinteressadamente a todos os honrados habitantes desta terra, que desejem adquiri-lo: 50 rs apenas!” “Admiro a sua generosidade mas não insisto para não ofender melindres. Ao menos creio que não recusará a honra de jantar comigo”.

Uma hora depois, em plena praça publica, centenas de mãos impacientes se estendem para o nosso homem, que, empoleirado numa carriola, cheio de nobre orgulho como quem desempenha uma alta missão humanitária, distribui a torto e a direito o famoso medicamento. Dentro em pouco as provisões estavam esgotadas e as algibeiras do nosso homem cheias, fiando ainda muita gente por atender.
Mas (ó desapontamento!), passados dias, o primeiro comprador que se sentiu acometido do terrível mal, e aplicou, cheio de confiança, o maravilhoso específico, conheceu então que ele tinha perdido toda a sua virtude! O papelinho esgotou-se…e o dente continuava sempre a doer!





















O homem da imagem deste post tem aspirações menos elevadas, e é muito mais modesto nos seus processos de reclame. A sua mercadoria é simplesmente uma pasta de composição secreta que tem apenas a propriedade de curar calos, dores reumáticas, tosses rebeldes, unhas encravadas, e serve ao mesmo tempo para amolar facas e tesouras. Não usa de discursos pomposos, e faz-se anunciar pelo seu adjunto, que vai soprando melancolicamente num cornetim da feira da ladra, até ver se os fregueses se aproximam.


Lembranças Luso-Brasieleiras


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A Crítica

A crítica, disse Addison, é um tributo que todo o candidato á celebridade tem de pagar ao público. Querer subtrair-se a ela, por mui subido merecimento que haja, é loucura, não poder tolerá-la, é fraqueza.

Os mais insignes personagem da antiguidade, e podemos acrescentar, que os de todos os séculos, estiveram sujeitos á critica. Contra ela só na obscuridade há refúgio.

É uma espécie de condição inevitável de toda a proeminência, quase como as invectivas eram, entre os romanos, uma parte essencial de triunfo.

Os Políticos e os Demónios

Já houve tempos, disse o padre António Vieira, num dos seus sermões, em que os demónios falavam ao mundo, e o mundo escutava. Mas depois que ouviu os políticos, ainda o mundo está pior.

O Hipócrita

O hipócrita, disse o Padre Bernardes (Nova Floresta), “é uma santo pintado, tem as mãos postas, mas não ora; o livro na mão mas não lê; os olhos no chão, mas não se desestima.”

“É hipócrita o mercador, que dá esmola em publico, e leva usuras em oculto; é hipócrita; é hipócrita o sacerdote, que sendo pontual e miúdo nos ritos e cerimónias, é devasso nos costumes; é hipócrita o julgador, que onde falta a esperança do interesse, é rígido observador do direito; é hipócrita o prelado, que diz que faz o seu ofício por zelo e glória de deus, não sendo senão pela honra e glória própria; hipócrita é o que não emenda em si o que repreende nos outros; o que cala como humildade, não calando senão como ignorante; o que dá como liberal, não dando senão como avarento solicitador das suas pretensões; hipócrita é o que jejua como abstinente, não se abstendo senão como miserável.”

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A Beleza de Aspasia

    Admirava-se Sócrates de que os encantos de Aspasia lhe roubassem uma grande parte dos seus discípulos.
 
    Quis conhecer de visu de tão irresistível atractivo, e dirigindo-se a casa da afamada cortesã, interrogou-a a tal respeito. Ela respondeu-lhe…com um sorriso. O sábio, então, tudo compreendeu.
  
    A graça com que a celebre hetaira prodigalizava sorrisos aos que se lhe aproximavam, angariava-lhe mais adoradores, do que todos os outros encantos da sua preconizada formosura.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Juízes e Advogados

    Eis como um antigo escritor descreveu as funções de uns e de outros que são em tudo opostas:

    “O juiz trabalha a descobrir a verdade. O advogado trabalha a oculta-la, ou a disfarçá-la: O Juiz procura o meio-termo. Que é aonde reside a equidade. O advogado busca os extremos. O juiz deve ser severo, rígido inflexível. O advogado busca convém ser brando flexível, complacente para entrar em sentimentos do seu cliente e defender-lhe a causa. O juiz deve ser constante, uniforme, invariável, marchando na mesma linha. O advogado deve variar, amoldar-se, tomar todas as formas. O juiz não deve ter paixões. O advogado procura excitá-las, e mostrar-se apaixonado pela causa que defende. O juiz não deve ter em linha recta o fiel da balança, e esta em equilíbrio. O advogado lança pesos numa das conchas para fazer descer.

    O juiz em suma, está armado do gladio e o advogado busca desarmá-lo.”

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Uma Inimiga do Casamento

    Num dos boletins da Câmara de Comércio Francesa de Nova – York, vem a notícia de que uma certa Mrs. Bertha Ortoil ter fundado, nos estados Unidos da América, uma liga destinada a conseguir que o governo lançasse sobre todos os casamentos um imposto de 500 dólares. A americana que assim se apresentava como tão figadal inimiga dos casamentos, fundamentava a sua pretensão no seguinte raciocínio: há demasiada facilidade em nos casarmos e em nos descasarmos. Por isso, seria conveniente obrigar os aspirantes a maridos ou a esposas a pensarem bem no que vão fazer…

    Ora, para pensarem devidamente, nada melhor que a perspectiva de terem que pagar 500 dólares por uma hipotética felicidade. Esses 500 dólares certamente teriam evitado muitas lágrimas, gritos, muitas vidas estragadas, muitas almas destroçadas!